Pular para o conteúdo principal

Seja quem você é nos intervalos



Certa vez ouvi alguém dizer que a vida se vive nos intervalos. Sabe aquelas frases que você ouve por acaso em um filme ou comercial de TV, ou lê em algum lugar que provavelmente nunca mais lembrará, mas a frase fica? Pois então, trata-se de uma dessas. Estive pensando no quanto corremos, trabalhamos, batalhamos para sobreviver nesse mundo onde os maiores comem os menores e tudo parece uma corrida desenfreada sem linha de chegada aparente. 
Uma colega de trabalho virou para mim e disse:

- Já parou para pensar em como a vida é fascinante? A gente acorda todos os dias com a chance de fazer tudo diferente de ontem!
- Mas continuamos fazendo tudo igual. - Foi a minha resposta, saiu automaticamente, quase como um desabafo e aquilo ficou na minha mente por alguns dias.

E então eu sonhei. Sonhei que olhava meu próprio rosto nos espelho, enquanto fios brancos iam brotando pelo meu cabelo até começarem a tomar também minha barba. 

Porque no fundo eu não me considero esse cara que acorda todos os dias, toma café, arruma a cama, chega no trabalho, varre o escritório, toma um cafezinho e mexe com papéis e problemas o resto do dia. Na minha mente eu continuo sendo o escritor, o cineasta, o empresário, o amigo, na minha mente eu sou aquele que passa os intervalos escrevendo, conversando com as pessoas que ama, cozinhando e fazendo algo que lhe dá prazer. 

O problema é a briga entre esses dois caras que vivem em mim, sabe? Porque o do escritório vive dizendo que o do intervalo é um sonhador e que a vida não é feita de algodão doce. Porque o cara do intervalo é sensível e está sempre prestes a desistir de tudo e se conformar com a vida, mesmo que nunca consiga. Porque o do escritório tem o dinheiro e o plano de carreira mas o do intervalo tem as ideias legais.

Qualquer dia desses eu demito o cara do escritório e fico só com o dos intervalos. Porque a vida se vive nos intervalos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Um texto sobre teatro

Eu queria ir mais ao teatro. Essa é uma daquelas conclusões a que se chega sem saber muito bem de que forma, você apenas acorda com uma vontade insana de ir mais ao teatro. E é isso, nada de grandes visões com esse texto, não tenho nenhum segredo para contar, nada aqui vai mudar a sua vida, só queria dizer que queria ir mais ao teatro, achei que era importante. Já acordou com a sensação de ter dormido por tempo demais? Como se tivesse ido para a cama ontem e acordou dez anos depois? Você de repente percebe que as coisas não estão onde você deixou na noite passada, as paredes estão mofadas, tem teias de aranha no teto, plantas mortas na janela e você fica se perguntando que diabos aconteceu, por quanto tempo você permaneceu adormecido? É uma sensação estranha, essa. Mas o texto não é sobre isso, é sobre minha vontade de ir ao teatro. Assisti meses atrás uma peça sobre os amores de Machado de Assis, um monólogo, para ser mais preciso. Monólogo, é assim que se chama uma peça de u...

O maior Idiota do mundo

Quando o Coração chegou ao consultório, Dr. Facundo ainda não havia chegado. Ansioso, como sempre, sentou-se em um pequeno sofá na sala de espera, de frente para a secretária, dona Eunice. A espera chegou ao fim alguns minutos depois, quando o doutor entrou na sala abruptamente. Era um homem alto, com seus cinquenta e poucos anos, e o que lhe sobrava em altura, faltava em cabelo.  - Desculpem o atraso, o trânsito estava uma loucura, vamos entrando. A sala de atendimento era simples e aconchegante, com apenas uma poltrona, um divã de couro marrom estofado e uma mesinha de centro. O Coração foi logo se acomodando, enquanto Dr. Facundo tirava um gravador e um bloco de notas de dentro da pasta. - E então, Coração, certo? Me fale um pouco sobre você, porquê resolveu me procurar? - Bom, estou passando por uma crise, doutor, me sentindo o maior idiota do mundo. Foi a Razão que me indicou o senhor. - Entendo, algum motivo aparente para estar sentindo-se assi...

Apenas sorria e acene ou "A arte de ficar em silêncio"

Quem passa por mim no dia a dia, sem me conhecer, deve pensar que sou um cara estranho. Sou aquela pessoa que se limita aos bom dias e aos acenos de cabeça, adepto de pensamentos flutuantes e olhar distante, não faço por mal e na maioria das vezes, eu não queria ser assim. Quando criança, segundo minha família e conhecidos, eu era um verdadeiro terror. Quando as pessoas se apercebiam da minha chegada, corriam para tirar de vista qualquer coisa que pudesse ser quebrada ou arremessada, eram algumas horas de pânico. Eu era aquele tipo de criança que foge dos pais no super mercado, que aborda estranhos na rua, que tranca a mãe fora de casa e tenta botar fogo nos colchões. Sim, eu tentei colocar fogo nos colchões. E então, assim sem aviso, me tornei o cara estranho que não não fala muito. Na verdade, eu falo, falo pelos cotovelos, mas só de vez em quando e com pessoas com quem me sinto confortável para tal. O fato é, que a medida que crescemos, as pessoas param de ouvir o...