Quando o Coração chegou ao
consultório, Dr. Facundo ainda não havia chegado. Ansioso, como sempre,
sentou-se em um pequeno sofá na sala de espera, de frente para a secretária,
dona Eunice.
A espera chegou ao fim
alguns minutos depois, quando o doutor entrou na sala abruptamente. Era um
homem alto, com seus cinquenta e poucos anos, e o que lhe sobrava em altura,
faltava em cabelo.
- Desculpem o atraso, o
trânsito estava uma loucura, vamos entrando.
A sala de atendimento era
simples e aconchegante, com apenas uma poltrona, um divã de couro marrom
estofado e uma mesinha de centro. O Coração foi logo se acomodando, enquanto
Dr. Facundo tirava um gravador e um bloco de notas de dentro da pasta.
- E então, Coração, certo?
Me fale um pouco sobre você, porquê resolveu me procurar?
- Bom, estou passando por
uma crise, doutor, me sentindo o maior idiota do mundo. Foi a Razão que me
indicou o senhor.
- Entendo, algum motivo
aparente para estar sentindo-se assim?
- Foi a minha última
tentativa de emprego, não deu muito certo...
- Que tipo de emprego?
- Domador de elefantes para
circo.
Dr. Facundo pareceu um pouco
espantado, anotou alguma coisa em seu bloco de notas e prosseguiu.
- Domador de elefantes? Diferente,
não?
- Sim, foi isso que me
atraiu! A carreira de escritor é muito monótona...
- Ah, então você escreve?
- Não, mas sempre tive
vontade.
- Entendo... E porque domar
elefantes não deu certo?
- Não tem elefantes aqui na
cidade doutor, e não achei nenhum circo que precisasse. – O coração parecia
trazer um pesar na voz. – Eu não sei o que há de errado comigo, é sempre a
mesma coisa. Eu vejo algo ou tenho uma ideia, então eu me empolgo, me jogo de
cabeça, quebro a cara e então desisto.
- Você é casado?
- Por favor, nem entra nessa
área...
- Algum motivo especial?
- Me apaixono muito fácil. É
só conhecer alguém que eu já me empolgo, me jogo de cabeça, quebro a cara e
então acabo sozinho, até me apaixonar novamente. Já foram duas vezes...
- Duas vezes não é um número
grande. – respondeu o doutor.
- Duas vezes essa semana,
doutor! - respondeu com um suspiro – E uma delas foi pela Anne Hathaway, uma pena
o dólar estar tão alto...
- Você pretendia ir até lá?
- Talvez, mas com o preço
das passagens e hospedagem, sei lá, está difícil pra todo mundo.
- Você sabe que ela é
casada, certo?
- Mesmo? – O Coração parecia
desolado com a informação recebida – Eu disse que sempre quebrava a cara...
Não era algo que Dr. Facundo
contasse para seus pacientes comumente, mas adorava ler notícias sobre
celebridades.
- Você sabe me dizer se
sempre foi assim? ou é algo recente?
- Lembro que quando era
criança, sempre que eu via um filme ou desenho, eu me empolgava. Já quis ser um
ninja, um pirata, um astronauta, espião, caçador de tesouros, o Batman, Ben 10
e o Power Ranger azul.
- Isso é bastante comum na
infância...
- Às vezes ainda me pergunto
se seria possível ser o Batman, o que o senhor acha?
- Você é rico?
- Não.
- Sabe artes marciais?
- Não...
- Aí fica meio complicado!
- Tem uma escola de judô
perto da minha casa... Bom, eu acho que preciso ir doutor!
- Não, espera...
- Até mais, nos vemos semana
que vem.
Não houve tempo para
argumentar, o Coração foi rápido demais, e quando percebeu ele já havia saído
da sala.
“Parabéns para mim” pensou
Dr. Facundo, “acabei de criar o batman”.
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