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Conto: Em um bar qualquer, a Morte e o Tempo



Era um bar qualquer, em algum lugar qualquer e nada havia de especial nele. O cheiro de cigarro e álcool estava impregnado na mobília, nas paredes e no ar, mesmo assim agradava aqueles velhos amigos se encontrar ali.
Lá dentro, a Morte, um homem alto e magricelo tomava cerveja gelada enquanto olhava para o nada, sem prestar muita atenção ao que acontecia ao seu redor. Tal era sua distração que quando o Tempo chegou ele nem percebeu.

- Nem te vi chegar - disse ele enquanto dava uma olhadela em um relógio velho pendurado em uma das paredes encardidas do bar.

- Ninguém nunca vê.

- Como consegue se atrasar toda vez? 

- Desculpa, faz parte de mim, é inevitável.

O Tempo puxou uma cadeira e sentou. Usava uma camiseta cinza desbotada, calça jeans e chinelo. Não chamava a atenção nem carregava nenhum tipo de beleza, mas era de uma simpatia ímpar. O barman perguntou o que ele iria beber e dois minutos depois voltou com cerveja e amendoins. 

- Como vai o serviço? - Perguntou o baixinho. 

- Está ficando cada vez pior.

- Como assim, pior?

- As pessoas andam morrendo de formas idiotas, não gosto de pessoas idiotas. E elas sempre reclamam de você...

- De mim? - Disse ele surpreso. - Que culpa eu tenho?

- Usam sempre as mesmas desculpas, "Eu não tive tempo o suficiente", "Não fiz o que gostaria de ter feito", "Não me despedi do meu cachorro", a mesma baboseira de sempre.

- A humanidade está ficando inacreditável, todos tem o tempo necessário, alguns aproveitam e outros não, será que eles nunca vão entender?

A Morte suspirou e tomou um gole de cerveja, estava quente ali dentro.

- Da forma como as coisas andam, é bem provável que eles entendam cada vez menos o que acontece ao redor deles, parece que eles estão sem vontade de viver.

- Sabe que tenho percebido isso também? Eu passo por eles e nem me dão a mínima, logo eu que já fui tão valorizado.

- Já ouviu aquele ditado que diz que "Tempo é dinheiro?" - A Morte soltou um sorriso amarelo.

- Ditado idiota...

- Eles estão levando à sério. Mas não fique triste, também não me dão muito valor.

O Tempo pareceu surpreso com a confissão da Morte.

- Eu te disse, eles ficam fazendo coisas idiotas como se não houvesse consequências, malditas selfies...

- O que tem as selfies a ver com isso?

- Eles morrem toda hora tentando tirar uma selfie em lugares que você nem acreditaria. Semana passada fui buscar uma menina que morreu tentando tirar uma com um leopardo, ela subiu na mureta do zoológico e caiu lá dentro. Quando perguntei que ideia era essa, ela me disse que ia "bombar de curtidas no face" e quando expliquei que ela estava morta ainda perguntou se podia atualizar a foto de perfil para "luto". Perdi meu grau com ela.

O Tempo ria, parecendo não acreditar no que havia ouvido, enquanto a Morte virava o copo, bebendo todo o liquido de um só gole.

- Falando em selfie, o facebook está acabando com meu trabalho. Eles passam o dia todo nele e não me veem entregando as oportunidades, depois olham pro relógio e dizem que "O tempo voou", me poupe, eu sou lento pra caramba e as vezes até me atraso...

- Isso é verdade - Disse a Morte.

- Ah, dá um tempo e para de ser tão rabugento. - O Tempo secou o copo e comeu alguns amendoins. - Vamos?

- Vamos - a Morte olhou novamente para o velho relógio na parede - Nossa, você voou.

- Engraçadinho.

Os dois foram até o barman.

- Já vão senhores? - Perguntou o homem, que usava uma boina surrada e ostentava um bigode grosso e grisalho.

- Sim, obrigado! - Disse a Morte, enquanto largava algumas notas amassadas no balcão.

- Boa viagem então! - disse o barman. - Voltem sempre.

A Morte lhe deu uma olhada profunda, e foi a ultima coisa que ele viu.

 

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